Revelando os Brasis | Revelando os Brasis reza com o caboclo a oração das almas

EDIÇÃO - Ano V

Revelando os Brasis reza com o caboclo a oração das almas

 

Meu Senhor crucificado, Filho da Virgem Maria, “Me guardai por essa noite e amanhã por todo o dia”. Meu corpo não seja preso, nem meu sangue derramado. “Minha alma que não se perca, meu Senhor crucificado”. Esta é parte da oração tradicional dos caboclos remanescentes da Guerra do Contestado que está inspirando o documentário “Recomendação das Almas”, dirigido pelo professor José Sebastião Cocharski, selecionado pela quinta edição do Revelando os Brasis. As cenas do filme foram gravadas neste sábado (24/05) e domingo (25/05) em Irineópolis, no interior deste estado.

“Nos dias que antecederam a gravação, eu estava preocupado porque chovia muito até sexta-feira mas, no sábado, amanheceu um sol maravilhoso. Quanto terminamos as gravações, no domingo, voltou a chover forte”, conta o diretor. O catarinense é um dos 20 moradores de cidades pequenas selecionados durante a quinta edição do Projeto Revelando os Brasis. Vindos de várias partes do Brasil, os autores das histórias escolhidas participaram das oficinas audiovisuais realizadas pelo projeto no Rio de Janeiro, no mês de fevereiro. Lá, estudaram com especialistas renomados da área do cinema noções básicas sobre roteiro, produção, direção, fotografia, direção de arte, som, dentre outras disciplinas. As aulas tiveram por finalidade preparar os participantes para transformar as histórias que contaram em documentários ou ficções de curta-metragem.

O Revelando os Brasis promove a democratização do acesso aos meios de produção audiovisual, oferecendo aos moradores das pequenas cidades com até 20 mil habitantes a possibilidade de contar suas próprias histórias através do cinema. Trata-se de um instrumento de registro da memória e da diversidade cultural do país e revela novos olhares sobre o Brasil. O projeto é realizado pelo Instituto Marlin Azul com patrocínio da Petrobras através da Lei Rouanet.

A história – Com 10.843 habitantes, segundo estimativa de 2013 do IBGE, o município de Irineópolis ainda preserva o gesto de fazer a oração da recomendação das almas graças ao empenho de uma família da cidade. Nas noites de Quaresma, um grupo de pessoas percorre as casas convidando os moradores do meio rural a rezarem juntos a oração integrada por oito estrofes.

Feita para abrir caminhos para a salvação das almas conduzindo-as para o céu, a reza é cantada durante a noite, principalmente, às sextas-feiras, em frente às residências onde são cravadas cruzes de credo. Quando não as encontram, os rezadores improvisam uma cruz com madeira ou taquara. Para acompanhar as rezas cantadas é usado um instrumento rústico de madeira, chamado matraca. Ao longo da oração, as luzes da casa se apagam. Ao final do ritual, os ambientes voltam a ser iluminados e o dono da casa recebe os rezadores para tomar um chimarrão.

A oração era usada pelos caboclos da Guerra do Contestado, um conflito armado ocorrido na região sul, entre outubro de 1912 e 1916, numa área rica em erva-mate e madeira, alvo de disputa territorial entre os estados de Santa Catarina e Paraná. Nesta época, por ocasião da construção da Estrada de Ferro São Paulo ao Rio Grande do Sul, o governo brasileiro doou terras para grupos ligados à ferrovia a fim de permitir a instalação de uma empresa madeireira.

Expulsos da terra, sem trabalho e sem perspectiva, os camponeses se rebelaram sendo exaltados também pelo fanatismo religioso. A guerra gerou o extermínio de mais de 20 mil pessoas entre caboclos e soldados das forças militares estaduais e federais capitaneados por grandes proprietários de terra.

“O documentário quer mostrar a importância de se resgatar esta oração, uma parte da cultura cabocla que está se perdendo. Em Irineópolis, a família do Seu Jordão Pereira ainda mantém a tradição durante a Quaresma. A preservação desta manifestação popular é importante para conservar a fé e a cultura deste povo”, destaca José Cocharski.

O diretor – Com mãe cabocla e pai polonês, José Cocharski foi morar em Irineópolis com quatro anos de idade. Atua como professor das séries iniciais do ensino fundamental há 35 anos. Estudou Magistério e, em seguida, Pedagogia. Aos 58 anos de idade, o professor se dedica a ensinar crianças a ler e a escrever e matérias como Matemática, Português, História, Geografia e Ciências.

“O maior desafio é ensinar estas crianças a exercer a cidadania e a atuar como protagonistas e não coadjuvantes no seu município”, conta o professor. Criado dentro de uma comunidade eclesial de base, José é militante e assessor de movimentos sociais e um incentivador da formação e da organização dos trabalhadores em sindicados e associações, em especial, os agricultores familiares e os sem terra.

José foi incentivado a participar do Concurso Nacional de Histórias do Revelando os Brasis – Ano V por uma selecionada da quarta edição, também moradora de Ireneópolis, Dircélia Aparecida Senff Nicoluzzi, diretora da ficção “Tamanca de Madeira”.

Para ele, a chance de participar, além de contribuir para a preservação da oração dentro da comunidade, tem sido uma oportunidade de formação audiovisual para aplicação em sala de aula. “O curso me deu um novo olhar sobre o audiovisual, um olhar mais crítico através de noções técnicas de enquadramento, de foco e de som. Este conhecimento vai me ajudar na preparação das aulas para os alunos”, planeja.

Assista ao depoimento do diretor durante as Oficinas Audiovisuais:

 

 
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