A vida do vaqueiro Manoel Messias parece trama de novela, romance literário ou até mesmo roteiro de filme de ficção. Porém, a história é verdadeira. Antes mesmo de nascer, uma brincadeira mudou o destino natural do menino, nos anos 70. Sua mãe, Dona Eloísa, estava grávida quando uma tia do marido fez a gestante prometer lhe dar a criança caso fosse menino. Como naquela época, na roça, cumprir uma promessa era questão de honra e valia como palavra de rei; logo ao nascer, o garoto Manoel foi afastado da mãe para viver com a tia. Somente 22 anos mais tarde, o vaqueiro, depois de casar e se separar, aproximou-se da genitora e pôde viver junto com os irmãos. Hoje, aos 36 anos, o vaqueiro lembra a história e conta, no documentário “O Sonho de Manoel Messias”, o desejo de tornar-se um cantor de toada reconhecido nacionalmente.
Selecionada pela quarta edição do Revelando os Brasis, a história tem roteiro, produção e direção de Rafael Pereira da Rocha, morador de Colônia do Gurguéia, no Piauí. O filme resgata a vida do vaqueiro, destacando, principalmente, como se tornou conhecido na cidade por suas toadas, um poema cantado composto por versos simples em geral improvisados pelo cantador. Segundo o diretor, até mesmo os vaqueiros mais antigos admiram o canto contundente de Manoel Messias que começou a compor e a cantar aos 17 anos. O documentário também revela outra manifestação cultural, o aboio, um canto sem palavras típico do nordeste, usado para conduzir o gado.
Gravações – Quando Rafael retornou da oficina audiovisual, no Rio de Janeiro, realizar um documentário parecia ser simples, segundo o diretor. Mas, o cotidiano da produção audiovisual revelou a complexidade e os desafios da realização audiovisual. “Na verdade, além da produção e da direção, nós tivemos de organizar um evento porque reconstituímos uma festa tradicional da cidade, marcada para maio, o Festejo de Colônia do Gurguéia, que acontece em homenagem à padroeira da cidade, Nossa Senhora Aparecida”. Com o objetivo de realizar o evento, o diretor e sua equipe movimentaram a cidade e os municípios vizinhos a fim de mobilizar dezenas de vaqueiros. Ao todo, o filme reúne mais de 90 trabalhadores do campo.
Uma das maiores dificuldade era manter a qualidade do áudio das toadas e dos passos dos cavalos em meio aos ruídos da multidão e dos carros e motos nas ruas da cidade. Para conseguir captar o som com qualidade, além dos equipamentos de áudio, o diretor contou com a ajuda dos vaqueiros e produtores a fim de conter os veículos no entorno do ambiente aberto de filmagem.
Outro desafio foi o deslocamento da equipe até lugares distantes da sede da cidade. Os produtores viajaram por 40 quilômetros de estrada de chão, carregada de pedras e com muitos morros, para chegar à fazenda onde Manoel Messias nasceu, em Taturubá, no município de Manoel Emídio. Lá, o vaqueiro e sua mãe contam a história que separou mãe e filho, numa das cenas mais comovidas do documentário.
As filmagens foram divididas por dias e temas. No primeiro dia, num sábado, na parte da manhã, aconteceu o desfile dos vaqueiros e da rainha, animados por muita cantoria de toada. Na parte da tarde, foi realizada a tradicional Corrida de Mourão onde acontecem as vaquejadas.
O segundo dia foi dedicado à gravação da tradicional Feira de Colônia do Gurguéia, no Mercado Público, por onde centenas de pessoas passam a cada hora. A feira atrai compradores de várias partes do município. Quem percorre os corredores entre as barracas pode ainda ouvir as toadas.
O terceiro dia de gravação mostrou a lida dos vaqueiros na Fazenda Altos Bem Quer, e o quarto dia concentrou o trabalho no depoimento do protagonista e de sua família, em Taturubá. O quinto e último dia de filmagem reuniu um grupo de violeiros na praça principal para uma grande apresentação de toadas e de solos simultâneos de seis violões de instrumentistas de Alvorada do Gurguéia.
De acordo com Rafael Pereira, a mobilização e o envolvimento das pessoas exigiram muito trabalho da equipe. No entanto, a experiência valeu o esforço. “Foi marcante! Desde o primeiro até o último dia da filmagem tudo foi coberto por lágrimas, pois as pessoas se emocionaram com as toadas e com os depoimentos”, conta o diretor.
No ano passado, o vaqueiro Manoel Messias foi convidado para cantar durante o Festival de Teatro de Bonecos, em Brasília, diante de milhares de pessoas. Agora, o cantador sonha com a chance de gravar o primeiro cd com suas composições em ritmo de toada.
O diretor – Rafael Pereira da Rocha é estudante do curso técnico de Enfermagem, no município de Floriano do Piauí. É cargo comissionado no Centro de Referência em Assistência Social (Cras), ligado à Secretaria Municipal de Assistência Social, onde atua como operador do cadastro do Programa Bolsa Família. Esta é a primeira vez que ele se inscreve no projeto Revelando os Brasis. Durante o curso, no Rio de Janeiro, Rafael, que nunca havia visitado a capital carioca, destacou a chance de aprender sobre a diversidade cultural brasileira ao ter contato com moradores de diferentes partes do país. Com o vídeo, o diretor pretende tornar a cidade onde nasceu conhecida e valorizar a identidade cultural do município. “Quero mostrar a cultura voltada para o vaqueiro, com destaque para os festejos, as toadas e os aboios característicos das vaquejadas do sul do Piauí”, destaca. De acordo com Rafael, o projeto Revelando os Brasis é uma oportunidade de reconhecimento do município e uma chance de aprendizado para o selecionado nas áreas da produção, direção e exibição.