Quando Lúcia era pequena precisou ajudar a mãe nas tarefas de casa e trabalhar na lavoura junto com o pai. Caçula de dez irmãos, ela cresceu, se casou e também teve dez filhos. Desde o seu tempo de criança até se transformar em mãe e criar todos os pequenos, pouco tempo lhe sobrou para estudar.
Apesar de ter frequentado apenas os primeiros anos escolares em uma unidade de ensino indígena, a escola e as palavras sempre fizeram parte de seus sonhos e fantasias. Lucia se entregou aos poemas que decorou só de ouvir e às poesias criadas por sua imaginação e sensibilidade, tornando-se conhecida e admirada na pequena cidade de Douradina, no Paraná. Hoje, aos 80 anos de idade, ela cursa uma escola da EJA (Educação para Jovens e Adultos) e é uma referência de amor à poesia para jovens e adultos.
A vida e a obra da poetisa serão contadas no documentário “Simplesmente Lúcia”, selecionado durante a quinta edição do Revelando os Brasis. A diretora do curta-metragem, a professora de Português e Literatura, Luzia de Queiroz Cassiano, começará a gravar as cenas do curta-metragem na próxima terça-feira (13/05) e prosseguirá as filmagens até o dia 15/05.
O que é o projeto – O Revelando os Brasis promove a democratização do acesso aos meios de produção audiovisual, oferecendo aos moradores das pequenas cidades com até 20 mil habitantes a possibilidade de contar suas próprias histórias através do cinema. Trata-se de um instrumento de registro da memória e da diversidade cultural do país e revela novos olhares sobre o Brasil.
Junto com outros 19 selecionados, a professora Luzia Cassiano participou do Curso de Formação e Realização Audiovisual promovido pelo projeto, no Rio de Janeiro, entre os dias 09 e 23 de fevereiro. O curso ofereceu palestras e oficinas de roteiro, direção, direção de arte, produção, fotografia, som, edição, finalização, mobilização comunitária e direitos autorais. No curso, os autores também receberam orientações para desenvolver ações culturais em seus respectivos municípios.
O Revelando os Brasis é realizado pelo Instituto Marlin Azul com patrocínio da Petrobras através da Lei Rouanet.
Longevidade – Ao mostrar a história da poetisa, Luzia quer celebrar a alegria e vontade de viver da personagem que aprendeu a interpretar e a recriar a vida através dos versos. Devido ao talento, sabedoria e simplicidade da poetisa, muitos são os convites para apresentações culturais em eventos cívicos, formaturas, festivais culturais, casamentos e outras atividades sociais.
O filme também é uma forma de homenagear o município pelo aumento no índice de longevidade, de acordo com o Atlas do Desenvolvimento Humano 2013, divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano (PNUD). Segundo o estudo, a esperança de vida ao nascer, em Douradina, aumentou 7,0 anos nas últimas duas décadas, passando de 67,1 anos (1991) para 68,5 anos, em 2000, e para 74,1 em 2010.
“As idosas da cidade são muito produtivas. A Lúcia representa todas essas mulheres. O roteiro foi construído coletivamente por professores e alunos do 3º ano”, destaca a diretora cuja intenção também é envolver a comunidade escolar na produção e na filmagem do documentário.
Audiovisual – Apaixonada por cinema, Luzia é uma incentivadora do uso do audiovisual em sala de aula como instrumento potencializador do aprendizado da Literatura no Ensino Médio. Uma das atividades desenvolvidas na unidade de ensino onde atua é estimular os alunos a criar e a encenar peças de teatro baseadas em obras de autores brasileiros. Os espetáculos são gravados em vídeo transformando-se em ferramenta pedagógica para o trabalho com outras turmas.
“Quando estamos aprendendo Literatura não seguimos apenas o livro didático. Gostamos de diversificar os recursos para que o aluno entenda o conteúdo de diferentes formas. O processo de aprender Literatura não é estanque, pois é preciso buscar o que o aluno sabe e ampliar este horizonte de expectativa”, explica a professora que utiliza em suas aulas a Teoria Estética da Recepção, uma forma de valorizar a relação dinâmica e o diálogo entre autor, obra e leitor.
Durante o ano, os alunos são estimulados permanentemente a produzir textos literários e letras para músicas que depois são apresentados em festivais de valorização de talentos e fomento da cultura, organizados dentro e fora da escola.
A um ano de se aposentar, Luzia também é um exemplo na arte de se reinventar, assim como a personagem Lucia.“Este é meu último ano em sala de aula. A seleção no Revelando os Brasis veio na hora certa e me mostrou um caminho novo. Não me vejo longe da escola e da comunidade. Quero utilizar este conhecimento audiovisual e compartilhar com outras pessoas numa comunidade em que todos se conhecem e, por isso, fica mais fácil de envolver. De alguma forma, quero trabalhar o audiovisual envolvendo a 3ª idade. O documentário vai contribuir para a valorização das pessoas, em especial, os idosos”, comemora a professora de 57 anos que, desde os 15 anos, mora em Douradina, município com 8.007 habitantes, segundo estimativa de 2013 do IBGE.
Assista ao depoimento da diretora durante as Oficinas Audiovisuais: