Um encontro inesperado entre ficção e realidade movimentou o município de Ribas do Rio Pardo, no Mato Grosso do Sul. As primeiras filmagens do vídeo “Saga de um Carvoeiro”, da diretora Lúcia Regina Alves Pereira, aconteceram no mesmo momento em que a cidade enfrentava o fechamento de carvoarias. Algumas pessoas que passavam pelo set de filmagem não sabiam se tratar de cenas de um dos filmes da quarta edição do Revelando os Brasis. Como acreditavam estar diante de uma matéria jornalística sobre o assunto, estes moradores acusaram a equipe de simular uma reportagem.
A diretora, selecionada pelo projeto, precisou se reunir com os donos das empresas regularizadas para explicar os objetivos de inclusão audiovisual do projeto e a temática do vídeo. De acordo com ela, o município possui várias carvoarias que atraem desempregados de diferentes partes do país, em especial, de Minas Gerais e Bahia. Mas, segundo Lúcia Regina, muitas destas carvoarias funcionam de forma clandestina, exploram a mão-de-obra através do trabalho escravo, da baixa remuneração, e ainda abandonam o empregado depois de meses de exploração, deixando-o sem emprego, sem dinheiro e longe da família.
Embora a realidade das carvoarias não regularizadas seja o contexto da história de Gregório, personagem fictício do vídeo, a temática central da obra é a superação do ser humano. “O filme mostra as mazelas das carvoarias clandestinas, no entanto, o foco é a reconstrução de um indivíduo que, depois de ser explorado e abandonado, é acolhido por um projeto social que o faz ampliar os horizontes, recuperar sua autoestima e reconstruir a sua vida”, conta a diretora.
Na história, Gregório sai do interior de Minas em busca de emprego numa carvoaria de Ribas do Rio Pardo. Após ser explorado por vários dias e da remuneração miserável, ele é abandonado na cidade. Acolhido por uma organização não governamental, o carvoeiro recebe roupa, alimento, abrigo e aprende a arte do barro, tornando-se um escultor de reconhecimento internacional.
Gravações – O vídeo combinará cenas de ficção e documentário. A obra também incluirá depoimentos de carvoeiros explorados e daqueles que conseguiram por meio da atividade juntar recursos e fazer investimentos na região. As gravações ainda não foram concluídas, pois as chuvas danificaram as estradas, impedindo o acesso da equipe às carvoarias localizadas em áreas distantes.
O contato com o audiovisual tem entusiasmado a diretora que buscou ainda envolver a comunidade nas etapas de produção e gravação e divulgou o projeto por meio de banners, faixas, camisetas, cartazes e blog. “O aprendizado é bom demais. Nunca havia pensado em fazer nada deste tipo. Hoje só penso em gravar tudo que vejo. Encomendei uma câmera para me aperfeiçoar nesta área fantástica”, conta.
Ações multiplicadoras decorrentes do projeto aumentam a cada dia. Lúcia Regina conta que a segunda reportagem publicada num dos jornais da capital despertou o interesse de várias pessoas em torno desta experiência audiovisual. Além disso, estão surgindo várias histórias novas e autores interessados em se inscrever. “O trabalho tem incentivado outras iniciativas como a da ong Gira Solidária. A entidade está formando grupos de alunos de escolas públicas para a produção de vídeos”, informa.
A diretora – Lúcia Regina Alves Pereira é educadora social e atua como presidenta da Organização Não Governamental “Essência da Mulher”, entidade voltada para o atendimento de pessoas em situação de exclusão através de ações educativas. Foi atriz de teatro amador. É compositora, está escrevendo um livro e trabalha como artesã de argila. Ribas do Rio Pardo ficou conhecida negativamente ao ser a primeira cidade brasileira a lidar com o problema da escravidão infantil. A exploração de crianças foi erradicada, no entanto, a questão dos carvoeiros, que são levados de outras regiões para trabalharem, e depois enfrentam o abandono, continua uma realidade no município.